01  M A R É

02 S U S P E N S Ã O

Se a suspensão é a arte de balançar
Se a suspensão é a arte de balançar
E ser leve no mar
Sempre o mesmo e nunca igual

Se o rio me diz: “olha, aqui tu não vais voltar”
E se tudo em mim me diz: “olha, igual tu não vais voltar”
Resta pôr-me a andar — não deixar verter dos olhos o mar
Não chorar

“Oh não, terá sido em vão?”
Ah, ah, ah, não, não, não
Nunca foi em vão.

Se a inquietação só nos serve de lição
Quando o bem-querer ainda não finca o pé no chão
Resta vaguear e ser nunca o mesmo, nunca igual
O que é sempre igual

“Oh não, terá sido em vão?”
Ah, ah, ah, não, não, não
Nunca foi em vão.

Olha as voltas que eu dei até aqui chegar
E as voltas que dás só para nos tentar
E eu que quero sempre saber
Se a vontade é forte para nos levar
Agora que vou, quem dera —
Quem me dera, quem nos dera — ficar
“Oh não, terá sido em vão?”
Ah, ah, ah, não, não, não
Nunca foi em vão.

03 A D E M O R A

A demora sobeja dos dias
Como quem tenta navegar sem vento
E o desejo?
Alimentado a pão e água
Vai beijando a fome

Quando a tempestade surge
É sempre sem avisar
Vai e vem, “Vai e vem”
Incessante, “Incessante”
E parece maior do que a curva do meu olhar
Toma conta de mim e perdura
” E perdura”

Que é do sol que se vive querendo? “Vivo querendo.”
O que é este querer que só se quer lento? “Só se quer lento.”
E a lentidão que te vive sorvendo? “Te vive sorvendo.”
Mas quem sacia esta sede que te vai bebendo?
Que é do sal que se vive lambendo.” Vivo lambendo.”
E em suspenso vai-se vivendo. “Vai-se vivendo.”

E a leveza?
É a minha teimosia
Como quem finge que nem sequer sente
Se ninguém sabe bem o que fazer
Com a expectativa a flutuar
Nos nossos brandos dias

Mas quando a bonança surge
É sempre sem avisar
Vai e vem — “Vai e vem”
Sem cessar, “Sem cessar”
E parece que dá p`ra viver de tanto nos espraiar
Toma conta do aqui e perdura
“E perdura”

Que é do sol que se vive querendo. “Vivo querendo.”
O que é este querer que só se quer lento?  “Só se quer lento.”
E a lentidão que te vive sorvendo?  “Te vive sorvendo.”
Mas quem sacia esta sede que te vai bebendo?
Que é do sal que se vive lambendo?  “Vivo lambendo.”
Num querer que te deixa sedento  “Deixa sedento.”
Nesse sol em que te vives estendendo  “Te vives estendendo.”
E em suspenso vai-se vivendo.“Vai-se vivendo.”

E perdura
E perdura
E perdura
E perdura.

04 S O L Q U E A Q U E C E ( B A R B A D O S )

As voltas que eu dou para me tentar
São voltas que tu dás até regressar
São rochas que arranham o meu peito
A água clareia os meus pés
E o sol que me aquece de um jeito

Tu nem sabes, nem sabes se vais
Ou se queres sequer voltar
Voltar aqui
A esta praia outra vez
De regresso outra vez

As voltas que eu dou até perceber
Que a sede é um rio que não pára de correr
No sal que se entranha no peito
Nas rochas que aquecem os meus pés
O sol que nos lembra de um jeito

Bem sabes, bem sabes que vais
Que vais e queres voltar
Voltar aqui
A esta praia outra vez
De regresso outra vez
Teus reflexos outra vez
Nesta água outra vez

E quem sabe se é para ficar
Se é para sair, se há-de voltar
Cintila uma luz que cerra o olhar
Banha-se o sol no sossego do mar
E a areia atravessa-me os dedos
Lambe-se o sal sorvido em cabelos
A pele curtida é a minha estiva
Deixa-me estar, deixa-te andar

As voltas que eu dou.