O VENTO
Engraçado como o vento
Disfarça o sentimento
De que não te volto a ver
E é engraçado que depois
Voltássemos os dois
A um tempo curvo
Tu és lenha para me queimar
Se “o amor é fogo que arde sem se ver”
Ficámos por saber
Sobre a graça do momento
Que revelou de novo o alento
Pouco há a dizer
Mas sobre a graça que entre os dois
Se quedou, resta depois
Ver além do turvo
Tu és lenha para me queimar
Se o amor é fogo que arde sem se ver
Ficámos por saber
Tu és, tu és lenha para me queimar

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VAI
Respira
Que é bem melhor viver sem nada
Eu aprendi
A adormecer assim calada
E vi um castelo a ruir
Vi um castelo a ruir
E nós sem pé para o chinelo
Relaxa
Que refilar não dá em nada
Se é de silêncio nas mãos
Que te vais daqui para fora
Que viste um castelo a ruir
Viste um castelo a ruir
E nós sem pé para o chinelo
Vai e cuida com vagar
Das coisas que te fazem querer voltar
Vai e cuida com vagar
Das coisas que te fazem querer voltar
Que “esta terra ainda vai cumprir um ideal”
Mas ninguém sabe bem qual

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CANÇÃO DO TRILHO

Passeio pelo trilho, regressam no infinito
As aves de Fevereiro num voo por inteiro
E vêm para ficar na luz e no calor
Cantando que a manhã chegou
São estas as raízes
Que meus pés bem fundo no chão
Teimam em firmar
E aqui não há-de faltar
Malga de leite e pedaço de pão
Para quem cá vier parar
Cada um sabe ao que vai
E aqui é quanto baste
Num canto morno, o canto das aves
Cada um sabe o que semeia
Na passada domingueira
Basta-nos tão pouco
Para ser inteiro, para estar
Para ser inteiro, para estar inteiro
Madrugada viu-te chegar
Pleno de sede e cansaço
Depois de tanto serão
Em que pousei antes de deitar
A malga de leite ao portão
Não fosse o poeta ter razão
Cada um sabe ao que vai
E aqui é quanto baste
Num canto morno, o canto das aves
Cada um sabe o que semeia
Na passada domingueira
Basta-nos tão pouco
Para ser inteiro, para estar
Para ser inteiro, para estar inteiro

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O DISFARCE DO SOL

Tu lembras-me de um poço sem fundo
Que eu encontrei num passeio qualquer
Regressando entre as silvas de unhas sujas
Saciada de amoras verdes

Meu irmão e eu fugindo do que não tem fuga
Meu irmão e eu rindo no disfarce do sol
Sorrindo no disfarce do sol

Tu lembras-me de um mergulho frio
Que eu dei antes da subida à serra
Nas tardes divididas em vertigem
Até ao limite da luz

Minha irmã e eu fugindo do que não tem fuga
Minha irmã e eu rindo no disfarce do sol
Sorrindo no disfarce do sol
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A CATRAIA

A catraia diz que tem
Um jeitinho de se levar
À bolina no teu sopro

E a catraia diz que vai
A esse cais arribar
Se em ti avistar bom porto

Cada catraia tem
Um adamastor para vencer
No embalo da lada
Na maré vaza
A acalmia faz por revelar

Todas essas coisas
Tombadas bem no teu fundo
São doidas essas coisas
Dando à costa na enseada
Onde descansa o teu pescoço

O dia traz nova maré e ela acorda na fé,
O dia traz nova maré e ela acorda na fé:
“Cada catraia tem seu moço, cada catraia tem seu moço”

A catraia diz que quer
Certas noites fundear
Ao largo do teu golfo
E a catraia há-de seguir, sim
Navegando nesse mar
Até lhe faltar o fôlego

Cada catraia tem
Um adamastor para vencer
No embalo da lada
Na maré vaza
A acalmia faz por revelar

Todas essas coisas
Tombadas bem no teu fundo
São doidas essas coisas
Dando à costa na enseada
Onde descansa o teu pescoço

O dia traz nova maré e ela acorda na fé,
O dia traz nova maré e ela acorda na fé:
“Cada catraia tem seu moço, cada catraia tem seu moço”